segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Café com os poetas


Mais um dia findo.... Vou deixando para trás carteiras e sinetas escolares, gargalhadas e gritos débeis e desmedidos. Saio da escola aonde leciono, um tanto cansado, aborrecido e com saudades da minha pequena.
Meus passos andarilhos, que já conhecem o itinerário, levam o coração e os pensamentos sonhadores ao seu destino: Café e Tabacaria Quintanares. Enquanto sigo, só penso em liberdade, descanso, prazer... Vou decidido a não beber nenhum destilado. Somente cafeína acompanhada de tabaco.
Eis a Rua dos Cataventos, número 35. Eis as possibilidades diversas. As portas são amplas e o corredor infinito. Entro no Café e escolho a mesa dois. Peço um expresso duplo. O primeiro cigarro entre os dedos. Aciono o isqueiro e a chama queima a ponta lentamente... Com as primeiras tragadas, desenho nuvens de fumaça que vão me escapando por completo, percorrem o ambiente. Do outro lado, não tenho certeza se é da mesa vinte e dois, está o Poeta soltando as suas nuvens...
A neblina toma conta do Café ... E o Poeta Quintana do outro lado é inconfundível. Fuma seu Marlboro e bebe o pretinho básico...
Mais algumas tragadas e os meus fantasmas encontraram os fantasmas do poeta. As espirais de fumaça dançavam no ar, comunicavam-se numa linguagem de história sobrenatural.
Quintana me dirigiu um olhar lento como uma vagarosa caminhada, apoiado na bengala. Viu através dos meus olhos e expressões, um mar de agitações. Gritos, gargalhadas, carteiras sendo arrastadas e sinetas escolares.
De repente, em meio a fumaça, saltam palavras fugitivas de sonetos por escrever:
- “Quando a água alcançar as mais altas janelas / eu pintarei rosas de fogo em nossas faces amarelas / Que importa o que há de vir? Tudo é poupado aos loucos / E os loucos tudo se permitem. Vamos!”
Então, recebida a mensagem, me senti como o próprio aprendiz de feiticeiro. Desejei aquela arte mágica de conduzir palavras...
O poeta com seu inseparável cigarro, partiu. Foi embora e me deixou ali, reticente. Olhei para o alto à procura de um sinal, um fantasma, outros versos. Não perdi a esperança. Continuei olhando, até que de uma pequena nuvem de fumaça, surge o seguinte recado: “Quando lembrares de mim, evocarás um fantasma. Deixa-me seguir o meu destino...”
Fiquei por um longo tempo, estático, divagando, com o olhar perdido no vazio, e os meus pensamentos, distantes do Café e Tabacaria Quintanares.
Levei um susto da figura excêntrica que se achega à minha mesa, e pede para acompanhar-me num expresso duplo. Era barbudo e tinha um tapa-olho no lado esquerdo. Vestia-se como um nobre da corte portuguesa.
“Meu nome é Luis Vaz de Camões” – disse ele.
Fiquei num completo silêncio. Ele me olhava firme, e esperava alguma palavra minha.
“Na verdade, eu não preciso de mais detalhes na minha apresentação. Me conheces tão bem que os pormenores são dispensáveis” – continuou a figura chamada Camões.
Eu estava completamente mudo diante daquela situação. Tentava falar que eu sabia quem ele era, e que parecia coincidência ele aparecer naquele momento, pois eu havia trabalhado Os Lusíadas com meus alunos, mas nenhum comentário saiu de minha boca.
“Tens uma missão como professor de literatura” – disse ele, me encarando com autoridade.
Realmente, eu nada consegui dizer. Somente ouvia.
“Quero que ensines a verdade sobre a minha vida e obra” – falou com convicção.
Bebeu de um só gole todo o expresso que já devia estar frio. E como se tivesse pressa de ir embora, despejou a sua história num só fôlego:
“Faça com que teus alunos leiam muito. Que leiam os clássicos mais importantes do mundo para entender melhor a minha obra. Ilíada e a Odisseia, Eneida, O Rei Artur e os Cavaleiros da Távola Redonda, A Divina Comédia... E não esqueças de que fui um combatente no Norte da África. Derrotei os Mouros e infelizmente perdi um olho em combate... E por conta disso as mulheres faziam troça de mim. Então, eu escrevi muitos versos, não para combatê-las, mas para conquistá-las.”
Eu permanecia calado.
E, num piscar de olhos, ele desapareceu.
Depois de Quintana e Camões, eu já era outro. 
E caminhando pelas ruas de Porto Alegre só pensava nisso:
- “Tudo já está nas enciclopédias e todas dizem as mesmas coisas. Nenhuma delas nos pode dar uma visão inédita do mundo. Por isso é que leio os poetas. Só com os poetas se pode aprender algo novo.”


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