sábado, 12 de dezembro de 2009

Você não vai trazer ela de volta

O dia amanheceu e os dois aproximam-se do quarto, encostam o ouvido à porta. Escutam que Jean está acordado.
Um deles bate e insiste para Jean abrir.

"Isso é besteira. Há cinco dias está trancado nesse quarto, precisa parar de beber, carece de ajuda. Se continuar assim vai adoecer e complicar ainda mais as coisas, e você não vai trazer ela de volta."
Jean sente solidão, angústia.

Eles não vão desistir, querem que Jean saia do quarto.

Jean tem vontade de gritar.
Batem mais uma vez na porta.

Por um instante, total silêncio...

Os dois dão um tempo, pensam possibilidades de tirar Jean do quarto. Saem e em vinte minutos retornam com um chaveiro. E o homem com chaves de vários tamanhos abre a porta em menos de cinco minutos.
Sem forças Jean desaparece com as últimas palavras:

"Você não vai trazer ela de volta..."

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Minha Ilha

Ontem reli Kafka e chorei. Não consegui segurar as lágrimas que iam me escapando. Aproveitei e fugi para a minha Ilha. É solitário, angustiante às vezes, mas na minha Ilha há reminiscências de outros tempos. Tenho um acerto de contas para fazer e preciso pensar, localizar melhor os fatos passados. E as atitudes.

Sozinho na minha Ilha. Sinto um buraco no peito. Enquanto isso, milhares de imagens invadem minha mente.

É Natal. Uma criança de três ou quatro anos, a mãe e os irmãozinhos esperam avidamente pelo pai que está longe de casa há dias. O pai retorna à casa com presentes para as crianças. A criança de três ou quatro anos ganha uma cadeirinha cheia de doces e com a seguinte frase talhada na madeira: “Eu sou do papai.” A criança de três ou quatro anos fica imensamente feliz e agarra-se aos pés do pai que a empurra para o chão e vai para o quarto com a mãe. A criança de três ou quatro anos fica chorando, sentada num canto da sala, enquanto as outras crianças pulam e divertem-se com seus presentes. O pai e a mãe permanecem por duas horas no quarto e depois saem. Ele despede-se de todos e diz que vai ficar fora por uns tempos.

Nenhuma data precisa. Apenas dias e anos significativos. O menino anda solto, livre em suas peripécias. Banha-se na sanga, localizada nas terras do Chimitão. A água é poluída, mas sente-se alegre e faz festas com os dejetos do córrego. Jogos de futebol no campinho e surra durante o jogo. Nariz sangrando. Em casa, mais surra e vergões na bunda e nas costas. O menino está sendo levado pela irmã maior à casa da tia. No caminho, ao atravessar a rua, o menino solta-se das mãos da irmã e é atropelado por um Monza. É levado ao hospital e fica bem. Ganha uma bola de futebol do homem que conduzia o carro que o atropelou. Logo poderá jogar futebol com sua bola nova, sozinho, sem apanhar.

O menino está crescendo. Quase um homenzinho. Depois de anos o pai aparece com um tio. Traz consigo uma caixa de ferramentas para construir uma peça de alvenaria. O pai permanece na casa por uma semana, ajudando o tio na construção. O menino se encanta com as ferramentas. Aproxima-se aos poucos dos homens com uma inifita curiosidade.

“Sai daí guri, vá brincar em outro lugar”, diz o pai com rudeza para o filho. O menino continua do mesmo jeito ali, como que hipnotizado pela peculiaridade daquelas ferramentas.

“Sai daí guri!” O menino não entende nada de horizontais ou verticais, ou medição de distância, mas pega um prumo e começa a brincar. Suspende pelo cordel o peso de formato de peão. Depois senta no chão de terra vermelha, olha por um longo tempo o peão e vê que tem uma rosca. Abre o peão e tira os chumbinhos de dentro. O pai vê o que o menino faz e se enfurece. Grita com ele e, em seguida, desfere-lhe pontapés com ira. Apanha do chão uma espia de aço e a faz de chicote. Três ou quatro chicoteadas nas pernas e na bunda do menino até verter sangue. As pernas e a bunda, com o tempo, cicatrizam. A raiva do menino pelo pai, não.

Todos velavam o pai com tamanha tristeza e desespero. Não era nenhuma capela, mas o ínfimo galpãozinho dos fundos da casa. As meninas choravam. A mãe e os tios também choravam a perda daquele homem. O menino, não. O menino apenas sorria. As cobras, dentro do caixão, enroladas no pescoço, pernas e mãos do pai. E o menino sorria. Achava o pai lindo, dentro do caixão.

Me dou conta de que estou na minha Ilha, e nada fiz para mudar a situação. O buraco do peito continua. Parece maior. Tenho medo. Preciso me organizar, planejar a memória. Tenho medo que o vendaval venha mais intenso. Tenho medo. E culpa. Do abraço terno que espero desde a infância. Tenho medo das tortas relações e decepções. Tenho medo de me tornar um Gregor Samsa. Medo da imobilidade. Da Metamorfose.

Descobri que na minha Ilha não existe culpa. É nela que posso criar aquilo que gosto, que imagino e o que desejo.

Olho para o mar que rodeia a minha Ilha e digo num tom de despedida as palavras de Kafka: “ ...Eras para mim a medida de todas as coisas...”

domingo, 8 de novembro de 2009

Juntitos lunes, martes, miércoles... pero el sábado nos encanta siempre



Sábado 10 de enero. Tu venías tan deslumbrante despacio en mi dirección. Me llamó la atención ya de lejos por la sensualidad de caminar y su piel morena. Cuando estaba cerca pude veír la sonrisa sorprendente. Tus ojos pequeños y de muchos secretos me fascinaron.

Fuimos presentados. De pronto olvidé mi timidez que jamás tuve, para invitarla a salir. De pronto nos conocemos más, mucho más. Nuestros gustos: literatura, cine, teatro, gastronomía, los bares, los besos, la noche y la luna.

Fue en el sábado 10 de enero cuando empezó ese “carpe diem” de nuestro amor. Primero presentación – como ya dijo –, el encuentro en la Ciudad Baja y después en apartamiento con todas las locuras del amor poético, salvage, pero muy terno.

Y así las cosas ocurrieron con una vehemente energía. Besos y más besos, confesiones, decubrimientos, deseos, pimientas, salsas blancas, viños, Cortázar, mate, leer-besar-leer...

Con leer-besar-leer nos fuimos más adelante. Tenemos noches de insomnio, carícias, secretos y fantasías, y hacemos el amor más precioso y bello.

Todo eso es una muestra del amor latente que nos mantenemos despiertos, teniendo un desenlace de nuestra história feliz. Por eso estoy de acuerdo con tus encantadoras palabras: juntitos lunes, martes, miércoles... pero el sábado nos encanta siempre.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Depois da janta

Nossos olhos se encontraram, depois os lábios. Ela abre os lábios para o beijo suave e rápido. A minha língua sorve o doce orvalho de sua boca. Jogo-a para trás e começo a percorrer o corpo dela com a minha língua. Itinerários em curvas e retas. Abre as pernas. Beijo os lábios ardentes como pimenta. Começo a lamber os lábios, trabalho com a língua ali por um bom tempo. Sinto os lábios tão ardentes quanto os da boca. Parece pimenta. Ouço os gemidos. Ela pede para penetrá-la. Entro no seu mundo, na sua pérola. Movimentos e malabarismos. Beijo-a e misturo os fluídos, enquanto, no vaivém, entro mais até ela gemer. Ela pede pra sentar. Senta e cavalga enlouquecida. E no vaivém estonteante, ela goza, e goza, e simultâneamente, inclina o corpo e morde o meu peito, arrancando pedaços de carne. Depois relaxa no meu peito e tenta lembrar dos nomes dos fortes temperos da janta.Chimichurri, gengibre, curry. E muita pimenta. Dos outros temperos não recorda o nome.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Café com os poetas


Mais um dia findo.... Vou deixando para trás carteiras e sinetas escolares, gargalhadas e gritos débeis e desmedidos. Saio da escola aonde leciono, um tanto cansado, aborrecido e com saudades da minha pequena.
Meus passos andarilhos, que já conhecem o itinerário, levam o coração e os pensamentos sonhadores ao seu destino: Café e Tabacaria Quintanares. Enquanto sigo, só penso em liberdade, descanso, prazer... Vou decidido a não beber nenhum destilado. Somente cafeína acompanhada de tabaco.
Eis a Rua dos Cataventos, número 35. Eis as possibilidades diversas. As portas são amplas e o corredor infinito. Entro no Café e escolho a mesa dois. Peço um expresso duplo. O primeiro cigarro entre os dedos. Aciono o isqueiro e a chama queima a ponta lentamente... Com as primeiras tragadas, desenho nuvens de fumaça que vão me escapando por completo, percorrem o ambiente. Do outro lado, não tenho certeza se é da mesa vinte e dois, está o Poeta soltando as suas nuvens...
A neblina toma conta do Café ... E o Poeta Quintana do outro lado é inconfundível. Fuma seu Marlboro e bebe o pretinho básico...
Mais algumas tragadas e os meus fantasmas encontraram os fantasmas do poeta. As espirais de fumaça dançavam no ar, comunicavam-se numa linguagem de história sobrenatural.
Quintana me dirigiu um olhar lento como uma vagarosa caminhada, apoiado na bengala. Viu através dos meus olhos e expressões, um mar de agitações. Gritos, gargalhadas, carteiras sendo arrastadas e sinetas escolares.
De repente, em meio a fumaça, saltam palavras fugitivas de sonetos por escrever:
- “Quando a água alcançar as mais altas janelas / eu pintarei rosas de fogo em nossas faces amarelas / Que importa o que há de vir? Tudo é poupado aos loucos / E os loucos tudo se permitem. Vamos!”
Então, recebida a mensagem, me senti como o próprio aprendiz de feiticeiro. Desejei aquela arte mágica de conduzir palavras...
O poeta com seu inseparável cigarro, partiu. Foi embora e me deixou ali, reticente. Olhei para o alto à procura de um sinal, um fantasma, outros versos. Não perdi a esperança. Continuei olhando, até que de uma pequena nuvem de fumaça, surge o seguinte recado: “Quando lembrares de mim, evocarás um fantasma. Deixa-me seguir o meu destino...”
Fiquei por um longo tempo, estático, divagando, com o olhar perdido no vazio, e os meus pensamentos, distantes do Café e Tabacaria Quintanares.
Levei um susto da figura excêntrica que se achega à minha mesa, e pede para acompanhar-me num expresso duplo. Era barbudo e tinha um tapa-olho no lado esquerdo. Vestia-se como um nobre da corte portuguesa.
“Meu nome é Luis Vaz de Camões” – disse ele.
Fiquei num completo silêncio. Ele me olhava firme, e esperava alguma palavra minha.
“Na verdade, eu não preciso de mais detalhes na minha apresentação. Me conheces tão bem que os pormenores são dispensáveis” – continuou a figura chamada Camões.
Eu estava completamente mudo diante daquela situação. Tentava falar que eu sabia quem ele era, e que parecia coincidência ele aparecer naquele momento, pois eu havia trabalhado Os Lusíadas com meus alunos, mas nenhum comentário saiu de minha boca.
“Tens uma missão como professor de literatura” – disse ele, me encarando com autoridade.
Realmente, eu nada consegui dizer. Somente ouvia.
“Quero que ensines a verdade sobre a minha vida e obra” – falou com convicção.
Bebeu de um só gole todo o expresso que já devia estar frio. E como se tivesse pressa de ir embora, despejou a sua história num só fôlego:
“Faça com que teus alunos leiam muito. Que leiam os clássicos mais importantes do mundo para entender melhor a minha obra. Ilíada e a Odisseia, Eneida, O Rei Artur e os Cavaleiros da Távola Redonda, A Divina Comédia... E não esqueças de que fui um combatente no Norte da África. Derrotei os Mouros e infelizmente perdi um olho em combate... E por conta disso as mulheres faziam troça de mim. Então, eu escrevi muitos versos, não para combatê-las, mas para conquistá-las.”
Eu permanecia calado.
E, num piscar de olhos, ele desapareceu.
Depois de Quintana e Camões, eu já era outro. 
E caminhando pelas ruas de Porto Alegre só pensava nisso:
- “Tudo já está nas enciclopédias e todas dizem as mesmas coisas. Nenhuma delas nos pode dar uma visão inédita do mundo. Por isso é que leio os poetas. Só com os poetas se pode aprender algo novo.”


segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Inconstâncias



Tudo começou quando participei como representante da editora em que eu trabalhava, num congresso de biologia em Florianópolis. E lá estava ela. Morena, linda, charmosa, e de óculos. Sempre gostei de mulheres de óculos. E ela, Lídia, a bióloga, a mais bela de todas.

Teses, trabalhos e debates. No final das atividades, o professor Péricles, meu amigo e por coincidência, amigo de Lídia, nos apresenta, conversa um pouco, e sai.

Aproveito aquele momento para convidá-la para sair. Peço uma sugestão, já que ela nascera em Floripa e conhece quase todos os bares da cidade.

“Nem todos os bares, mas posso ser sua cicerone.” Ela diz sorrindo.

Chopperia Absoluto. Entre um chope e outro, ela falava do seu trabalho. A microbiologia clínica, bactérias, fungos e microcultivos. Mostrei-me interessado e entendido no assunto.

Lídia tece uma interminável trama de perguntas, mas respondo apenas que trabalho na editora - como ela já sabe -, adoro literatura, almejo ser escritor e estou deslumbrado com a sua beleza.

Ela fica um pouco ruborizada, e fala de literatura – principalmente de Cortázar –, mas o que mais gosta é de cinema. Todos os filmes do Almodóvar.

Quando ela recupera a cor, morena, tipo cuia, fala baixinho e com graça, fazendo-me perder no labirinto de suas expressões. Primeiro sorri delicadamente, depois mexe nos cabelos e me olha com tamanha profundidade nos olhos.

Rendo-me ao olhar penetrante de Lídia, e com os efeitos sedutores da bióloga, tomo a iniciativa, dando-lhe um beijo desesperado e cheio de desejos.

O resultado foi uma noite interminável, quente e prolongada, no apartamento da bióloga.

Jamais vou esquecer daquela cena maluca e deliciosa, quando nos arremessamos feito crianças na cama ampla, rolamos para várias direções enquanto nos beijávamos gulosamente. E depois labidas, sussurros, vaivém com gemidos e gozos intermináveis.





***


Aquele final de semana fora sublime como vários outros que se passaram. Eu estava completamente enlouquecido pela bióloga. E o meu itinerário constante, durante meses, de sexta-feira a domingo, foi de Porto Alegre à Florianópolis e vice-versa.

O tempo foi passando e a rotina tomou conta de nossas vidas como um vendaval devastador.

Nossos encontros passaram por uma fase tempestuosa. Discussões como relâmpagos em total perturbação. Parecia que tudo que era bom e intenso, havia acabado.

O vento vinha sussurrando a ausência e a distância. As reminiscências dos melhores e inesquecíveis momentos que passei com Lídia se alojaram dentro do meu peito, e a saudade era tremenda que me deixava completamente melancólico. Eu estava apaixonado pela bióloga e a queria ao meu lado.

Depois do temporal, a chuva mansa e fina trouxe uma esperança. O telefone tocou. Era ela, Lídia. Aquela voz doce e encantadora, foi mudando, ficando rouca, até ela começar a chorar. Depois do pranto ela conseguiu conter-se para dizer que precisava de mim, que me amava, que minha passagem já fora reservada antecipadamente, e que me esperava no Aeroporto de Florianópolis.

Era sexta-feira. Não pensei duas vezes. Arrumei minha mala, peguei uns livros – já que eu e Lídia tínhamos o hábito de ler, um para o outro, contos ou romances –, e fui direto ao Aeroporto Salgado Filho.





***


Volto no voo 01647 com as mais belas lembranças. O amor da mulher-pimenta, a minha pimentinha ardente. O corpo todo eletrizado, e as palvras de Lídia dançam em minha mente:

“Nós temos altos e baixos, meu amor”, “temos que trabalhar o desapego” e “o que importa é que nosso amor é lindo...”

Pego da pasta o livro de Florbela Espanca. A página apresenta um marca-página dourado. Leio do poema as duas últimas estrofes, e escuto a voz distante de Lídia recitando: “Passei a vida a amar e a esquecer./ Atrás do sol dum dia outro a aquecer/ As brumas dos atalhos por onde ando.../ E este amor que assim me vai fugindo/ É igual a outro amor que vai surgindo,/ Que há-de partir também... nem eu sei quando..."

Uma pequena lágrima se desprende dos meus olhos e seguida daquela, outras e mais outras vão caindo e percorrendo as faces, o nariz e a boca, dando cabo do itinerário na saliva. Molhei a página do livro. Florbela Espanca e Lídia mexeram comigo.
Decidi aceitar as inconstâncias da vida e ter Lídia, não como uma mulher, mas como todas as mulheres numa só. Assim, eu posso perder uma Lídia e encontrar outra Lídia na mesma pessoa, e em estados de espírito distintos. Para que isso seja real, preciso compreendê-la e conquistá-la sempre. Eu e Lídia, então, seremos os artistas do espetáculo da vida, vivendo as mais inusitadas fantasias.

sábado, 8 de agosto de 2009

A Gata de Botas


"Não vemos as coisas como elas são,
mas sim como nós somos."
Anaïs Nin

Estávamos no Bar Chopp Naval bebendo a exótica Barrolda (elaborada com zimbro e destilados) e comendo bolinhos de bacalhau com pimenta. De vez em quando Bianca olhava para os quadros das paredes, as fotografias de gente famosa e retornava os olhos para mim.

Era um olhar que falava mais que palavras. Era provocante.

Nos lábios, o batom vermelho insinuante. Pele morena e de óculos. Os cabelos escorridos nos ombros. As botas de salto alto e cano longo. Sedutora.

Terceira Barrolda e a reciprocidade do nosso olhar. Somos todo desejo. E falo com ela de desejo, paixão e fantasia. E nestas circunstâncias de um final de tarde de Porto Alegre, anseio sentir o mais profundo prazer com Bianca.

“Estou com vontade de beijar todo o teu corpo e...”, eu disse pra ela.

Pausa. Depois tomei o restante da quinta Barrolda.

“Quê mais?!”, ela sorriu maliciosamente.

“Tudo”, eu disse. Já não aguentava mais. Ela continuou sorrindo. Sempre sorria. Estava feliz. Estávamos felizes.

“Vamos pro motel”, eu falei com tanta vontade.

“Agora?” Ela pergunta como se eu precisasse convidar ou argumentar várias vezes.

“Sim... Motel...”

Saímos do Naval. Tomamos um táxi direto para o Motel Botafogo.

***

No Botafogo, enquanto eu ia ligando o ar quente e colocando um som pra gente escutar, Bianca foi ao banheiro. Quando voltou fiquei deslumbrado ao ver aquela Gata de Botas em que Bianca se transformara.

Felina. Sutiã, calcinha, rabinho, focinho, tudo de gata. E com aquelas botas de salto alto e cano longo. Desfilava pelo quarto miando como uma gata no cio.

Fiquei completamente louco. Fora de controle.

Ela me empurrou pra cama.

“Fique quietinho aí que vou desligar nossos celulares”, ela disse saindo imediatamente dali.

Voltou com o meu celular na mão, sem a fantasia de gata, gritando, xingando...

“Quem é essa vagabunda?” Ela perguntou com raiva.

“Que vagabunda, meu amor?” Eu quis saber.

“Essa tal de Laura.” Ela disse com um olhar sagaz.

“É a estagiária lá da firma. Eu sou o chefe dela. Eu já te falei sobre isso, esqueceu meu amor?” Eu disse querendo convencê-la de que não tinha nada de mal nisso.

Eu e Bianca ficamos desfiando aquele rosário de interjeições. Então me aproximei dela, a abracei com ternura, esfreguei meu rosto no rosto de Bianca e senti a lágrima salgada nos meus lábios. Beijei Bianca intensamente. Ela quase não conseguia respirar.

Depois daquele beijo, Bianca levantou da cama e foi ao banheiro. Voltou com a fantasia de gata e sorriu.

“Vem minha Gata de Botas, vem...” Eu disse, já deitado na cama, com as luzes de boate em volta.

“Que mais que eu sou?”

“Minha boceta de botas”, eu disse.

Bianca veio e foi uma loucura. O coro de gritos como pano de fundo e sonoplastia. E posições e gemidos e Kama Sutra e Gata de Botas e Boceta de Botas e Meu Tesão e Minha Fêmea e Meu Macho e Secreções e Substâncias do Amor, Meu Amor, Meu Amor, Nosso Amor...

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Diabo Manco, o sedutor

para Charles Bukowski




Aumento o passo para alcançá-la. Ela entra no ônibus. Faço o mesmo. Ela olha pra trás. Disfarço, finjo não vê-la.

O ônibus para e os passageiros descem. Ela desce, eu desço. A passos lentos, não percebe que está sendo seguida. Dobra a esquina...

Faço um esforço danado pra me aproximar dela com essa perna manca.

É noite, a rua mal iluminada, ela não tem a noção do perigo. Não sabe que o Diabo Manco está em seu encalço.

Ela para na frente do edifício Mozart e pega a chave da bolsa.

Arrasto a perna defeituosa com dificuldade como se fosse arrastar uma tonelada naquela perna.

Ela abre o portão de entrada do edifício. Controlada pelo pensamento do Diabo Manco, deixa o portão aberto. Mais uma fechadura. Essa também fica aberta.

No corredor...

Segue até a quinta porta. Outra chave. Entra e não fecha a porta. Entro também.

Tapete vermelho e uma mesinha no centro. Na mesinha um incenso queimando. Quadro de Salvador Dali na parede.

Deitada no sofá. Fascinante. Sem blusa e sem sutiã. Saia curta acima do joelho. Toma um susto ao ver-me diante dela.

É você Byron?, pergunta um tanto fascinada.

Sou o Diabo Manco, digo.

E o que você vai fazer comigo? Me matar? Me violentar? Dar alguns bofetões e me chamar de puta? ... Por favor, me xingue, me violente, me bata com força, quero morrer em seus braços, ohhhh Diabo Manco!

Avanço pra cima dela. Prendo-a nos meus braços. Cambaleamos feito bêbados e caímos sobre o tapete vermelho. Ela oferece seu lábios úmidos...

Ataco. Um, dois, três... golpes fundos.

Ela grita... Estremece e relaxa. Relaxo também.

Guardo o punhal.

Sou o Diabo Manco!

terça-feira, 28 de julho de 2009

Ferida exposta

1.


O boi acuado no canto da cerca de arame, amarrado nas quatro patas e na cabeça. Homens fortes segurando o boi. Um sujeito corpulento, com uma marreta na mão, bate várias vezes na cabeça do animal.

A cena não me agradava nem um pouco, mas estático, e como que petrificado, não parava de olhar aquele boi que demorava para morrer.

Então veio alguém e cravou a faca na jugular do boi. Uma, duas, três vezes.

Sangue. Muito sangue. E o grito desesperado do bicho. Naquela agonia, cada minuto, segundo, pareciam séculos. Para o boi e para mim.


2.

Perto do ringue, sinto o cheiro de sangue.
O homem de calção vermelho empurra para as cordas o de calção amarelo, e bate nele como se batesse num tambor em festas. Esguichos de sangue. Nariz, boca, orelhas, olhos. E o juiz nunca termina a luta.

Continua a agonia. É soco, soco e soco. E sangue.

O sujeito de calção amarelo está banhado de sangue e cai. Um, dois, três... tudo gira. Quatro, cinco, seis, sete... O ginásio gira, o ringue gira. Oito, nove... A mente gira. Dez... Escuridão...


3.

O asfalto é pintado de vermelho. Reconheço a cor e o cheiro.

O acidente automobilístico. Uma BMW, um Corsa e uma Ford Ranger. O Corsa ficou todo demolido. E os tripulantes do Corsa também. Morte instantânea. Os condutores da Ford Ranger estão no Hospital. Três em estado grave e dois passam bem. Me embrulha o estômago. Vomito ali mesmo, no asfalto vermelho de sangue.


4.


Um filme sinistro que expõe os ferimentos da vida como feridas abertas. Angústia, lesão psicológica. Reminiscências de cor e de cheiro. O cheiro é forte e característico. Vermelho e quente.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Perplexidade do cotidiano


Não sei quanto tempo faz que não me alimento. Mais de 48 horas? E o estômago vazio já pede alguma coisa. Mesmo com o fígado rejeitando, o que eu mais quero agora é beber algo forte. Qualquer porcaria serve.

Caminho com dificuldade nesse formigueiro da Voluntários da Pátria. Essa gente me cansa. Sem falar dos pobres-diabos que se arrastam pela calçada, e que me olham como se eu fizesse parte dessa raça.

E não bastasse esses desprezíveis, ainda tenho de ouvir “Fábrica-de-calcinha, vale-vale-vale-vale, compro-vendo-ouro, corte-de-cabelo, piercing-tatuagem, vale-vale-vale-vale...”

Gritaria que não acaba mais.

Não sei até onde consigo chegar. Até onde minhas pernas me levam. Quanto minha cabeça aguenta.

Zonzo, muito zonzo...

BUMMM!!!

Estrondo!...

Com o choque do encontrão que recebo, não sei de quem, caio sobre uma banca de cds e dvs piratas.

Putaqueopariu!,” diz alguém.

“Tu destruiu minha mesa e quebrou os cds e dvds, seu puto, desgraçado!”, grita o dono da banca.
Tudo gira em volta. Levanto com dificuldade e caio outra vez. Fico estendido no chão.

“O cara que esbarrou nele assaltou aquela loja ali”, fala uma voz queixosa.

“Ele estava junto com o assaltante”, grita um falso delator.

“Ninguém vai ajudar esse homem?”, pergunta um indivíduo complacente.

Não sei de onde essa energia, mas levanto e saio em disparada ao Mercado Público.

Terminal Parobé. Olho para trás e percebo que não fui seguido.

Ônibus. Pessoas. Música...

Largo Glênio Peres. Chalé.

Preciso beber alguma coisa. Tosse. Tosse. Tosse.

Música do Chalé: “Eu não sei dizer/ o que quer dizer/ o que vou dizer/ eu amo você/ mas não sei o que....”

Largo Glênio Peres. Um homem de terno e gravata, com uma Bíblia na mão: “Glória, glória, glória, aleluia... louvemos ao Senhor...”

As músicas se misturam na minha cabeça. Começo a ficar atordoado...

Alguém me abraça com muita força. A lâmina rasga o meu peito... A dor é intensa...

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Cotidihumano


Ficou horas na frente do espelho.
Estátua.

Quando se deu por conta viu um rosto sedutor. Não gostou disso. Procurou outros traços para satisfazer-se.

Olhou profundamente aquele par de olhos negros e viu ondas negras - no ir e vir - da imensidão do mar. Por um tempo contemplou aquela imagem.

O mar revolto quis sair de dentro do espelho.

As pernas amoleceram, o coração disparou e os olhos queriam sair das órbitas.
Aguentou firme. Sobreviveu ao naufrágio.

O mesmo rosto atraente estava ali, diante do espelho. Carecia de intenções que o tirasse dali. Tinha pensamentos secretos, e queria mudar alguma coisa em si.

Não suportaria por muito tempo naquela posição. As pernas, agora doíam muito. Sentia prazer na dor, mas logo perderia o equilíbrio e cairia .

Turbilhão de pensamentos e sentimentos. Ataque de ansiedade, febre, delírio, lembrança de outras angústias e insônias. Um trator passando por cima.

Caiu.

Estendido no chão, um vendaval de imagens.

Levantou-se e olhou mais uma vez o espelho.

“De agora em diante vou ser outro”, ele disse para o espelho.

Deu um grunhido e depois uma gargalhada medonha.

“Vou ser o que eu inventei, não o que criaram para mim”, continuou ele.

Foi ao banheiro com uma sacola e abriu as caixinhas. Lexotan, Lorax. Dalmadorme, Dormonid. Rivotril. Válium. Aspirina, Paracetamol, Dorflex, etc. O vaso engoliu tudo.

Pegou todo o dinheiro que, à tarde havia sacado no caixa eletrônico, e foi para um bar.

sábado, 4 de julho de 2009

Currículo

Para Zuco

Já cansei de deixar meu currículo no jornal F, no G e no H. O meu cu é que não vou deixar pra esses filhosdaputa.

José Fonseca. Formado em Jornalismo. Quero dizer, recém formado. Terminei meu estágio há três dias. Não fiquei na empresa. Política suja. Filhosdaputa.

360 reais e ainda os filhosdaputa descontavam vale-transporte. E sem direito a nada.
Por isso que eu saí louco por aí. Distribuindo currículo por tudo que é canto.

Adiantou?

Nem precisa responder.

Meu último copo de cana, porra! Esses filhosdaputa. Mas eu vou aproveitar cada gole. Pensar um pouco e depois decido o que fazer.

Como se fosse fácil.

Plim!, resolvi. Porra, não é bem assim. Esses filhosdaputa.

E vem tudo junto. Pra casa é que não vou, pois posso piorar ainda mais as condições de saúde dos velhos.

Só fiz o meu trabalho. Não o meu - o deles. Quando as informações não eram do agrado deles, eu falava o que eles queriam. Sem mudar uma vírgula. E muitas vezes colocava belas palavras na boca deles. Política podre. Filhosdaputa.

“Nunca vi um jornalista formado falar assim, usar gírias e ter um vocabulário desses”, o filhodaputa disse, rindo.

Chegaaa!!!

Tomei o último gole de cana, peguei a arma do bolso da jaqueta e dei um tiro na boca daquele filhodaputa. Era um filhodaputa como todos os filhosdaputa que conheci em toda a minha vida.

Nunca mais fala uma coisa dessas, e não ri dos outros, seu filhodaputa.

Agora sou outro. E com outro currículo.

Saí daquele bar de merda, sorrindo como se nada tivesse acontecido.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Literatura, cinema, gastronomia e outros sensuais




Três horas. Madrugada de sábado. Jean-Paul e Valentina na cozinha. Valentina com o livro de contos de Marçal Aquino no colo. Sorri.


O amor e outros objetos pontiagudos”.


Jean-Paul serve a taça de vinho e entrega a Valentina, a beija, toma um gole de vinho e vai para as panelas.


Posso jurar que Marçal Aquino teve inspiração em “Loucos de Amor” para escrever o “Partilha I” e “Partilha II”, disse Valentina.


O filme?”, perguntou.


Sim, e além disso, foi roteirizado, nada menos, nada mais por John Cassavetes”, ela falou demonstrando seu enorme conhecimento em cinema.


Gosto do “A Morte de um Bookmaker Chinês”, falou.


Ele fez o roteiro e dirigiu esse filme”, ela disse com um largo sorriso.


Mas ele atuou em outros filmes, não é isso?”, perguntou.

Atuou bem mais”, ela disse.


Jean-Paul serve mais vinho para Valentina e volta às panelas.


Depois de refogar bem o alho e a cebola, Jean-Paul coloca o brócolis e o molho branco na panela. O talharim já está cozido em outro recipiente, aguardando a mistura.


Em “Loucos de Amor”, quem dirige é o filho Nick Cassavetes”, continuou Valentina.


Acho interessante a paixão de Ediee e Maureen. Os dois sem grana e loucos um pelo outro”, Jean-Paul comentou quando já misturava a massa com o molho branco.


Quando sai da prisão...”, Valentina comenta.


Quê?”


A prisão. Quando sai da prisão, Eddie descobre que ela se casou com Joey, um homem que amava loucamente Maureen quanto ele”, continuou Valentina.


Entendi. A trama é a história da prisão”, disse Jean-Paul.


Sim, meu amor, em “Partilha I” e Partilha II” os homens que regressam da prisão e vão em busca de suas mulheres”, disse Valentina.

Só que num dos contos o ex-presidiário se dá bem com a mulher e, no outro, se dá mal,” concluiu Jean-Paul.

A mesa já estava arrumada.


Que tal o brócolis ao molho branco?”, perguntou Jean-Paul.


Agora vou saber se você vai se dar bem ou mal”, respondeu Valentina.



sábado, 20 de junho de 2009

RAROS





RAROS

para Cátia Cilene,
a minha Loba da Estepe


O homem se chamava Henri Chinaski. Não, não era bem isso. Era Arturo Bandini. Harry Haller, o nome da mulher. Ela tinha um apelido: Loba da Estepe. Arturo Bandini e Loba da Estepe não se conheciam e nem se imaginavam, viviam cada qual, no seu distinto cotidiano.

Bandini sempre quis ser escritor, ralou muito para fazer uma faculdade. Trabalhou como ascensorista, porteiro de hotel e garçom, até o momento de formar-se em Letras e ser professor. Ser professor não estava nos seus planos.Teve dificuldades para sobreviver na loucura da cidade grande. Faculdade particular e dívidas com o governo e quartos de pensão. Quartos quase escuros, mas que não o impediam de fazer suas leituras e anotações. Sempre acompanhado de livros, os cds e cachaças.

A Loba da Estepe, uma mulher dada a aventuras radicais, sempre que podia voava de paraglider no Morro Ferrabraz. Mas não é só de aventuras que vivia a Loba da Estepe. A Loba, uma mulher cheia de vitalidade, batahou muito para se formar em Jornalismo. Antes, durante e depois de formada, já trabalhava na sua área com muita determinação. E além disso, a Loba da Estepe tinha senso de autoridade e organização: Coordenava um grupo de comunicação.

Arturo Bandini tinha livros, cds, bebidas baratas e vontade de conhecer alguém muito especial. Loba da Estepe não era diferente. Também curtia livros, cinema, festas. E desejava conhecer um homem singular.

A Loba da Estepe sente que não pode mais viver as suas mil almas. Resolve se desintegrar de tantas personalidades. Ela gosta mas parece ser perigoso. Bandini não consegue escrever mais nada, seu quarto é um amontoado de papéis amassados e seu sonho já não o alimenta mais.

Aborrecidos em suas tocas ou casas monótonas, decidem sair.

É noite. Noite de 10 de Janeiro de Tal Ano. Bandini e Loba da Estepe não sabem, mas vão se encontrar no bar SÓ PARA LOUCOS, mais precisamente, no reservado SÓ PARA RAROS.

No bar SÓ PARA LOUCOS, um jazz de fundo. Bandini toma tão calmamente cada partícula de sua cerveja, como se ali existisse um mundo diferente. E faz alguns rabiscos em um bloco de anotações. Loba da Estepe está na outra mesa, bebendo vinho, tão solitária, estranha, compenetrada em si mesma. Nenhum dos dois sabe da existência do outro. A Loba da Estepe pega Bukowski da bolsa para ler. E bebe mais vinho. Bandini é tão romântico a ponto de pensar que poderia agora estar com uma bela mulher e por ela se apaixonar. Naquele lugar, SÓ PARA LOUCOS, Bandini pede ao garçom uma dose dupla de uísque.

Arturo Bandini se cansa daquele bar, deseja sair dali o mais rápido possível. Acontece o mesmo com a Loba da Estepe. Pela primeira vez ela interrompe a leitura. Depois de pagar a conta, somando os trocados e as moedas, Bandini se dirige à saída do bar SÓ PARA LOUCOS. A Loba da Estepe já está quase na porta. Há mais pessoas querendo sair. Um Arlequim e dois seguranças (espécie de armários dos grandes) com seus ternos escuros estão na porta do bar.

Bandini e Loba da Estepe são barrados na saída do SÓ PARA LOUCOS pelo Arlequim e seus seguranças. Arlequim tão ágil, trapalhão, brinca e logo depois explica que os dois devem ir ao reservado SÓ PARA RAROS.

Os dois não têm escolha. Ninguém conseguirá passar pelos seguranças (armários dos grandes). Arlequim os conduz, então, ao reservado.

Penumbra... Aquele reservado parecia uma boate. Uma boate dentro de um sonho. Com mesas e cadeiras, luzes coloridas e fumaça de gelo seco. Vários luminosos nas paredes. Uma bela voz de radialista pronuncia as seguintes palavras:

“HOJE, 10 DE JANEIRO DE TAL ANO, OS RAROS SE ENCONTRAM.”

Arturo Bandini e Loba da Estepe riram. Só pode ser piada, pensou a Loba.

As luzes foram se acendendo aos poucos até ficar completamente claro. Já não havia mais aquelas mesas, cadeiras, luzes coloridas, luminosos. Era uma sala gigantesca, dividida em partes que chama a atenção de quem gosta de cultura, arte, literatura, gastronomia. Só podia ser um sonho, pensou Bandini.

Agora o reservado SÓ PARA RAROS era uma imensa sala cultural. Levaria horas para percorrer a sala toda. Bandini estava na parte dos pintores famosos, diante das obras de Salvador Dali. Um banner com a foto do artista espanhol com seus peculiares e insolentes bigodes abria a mostra. A Loba da Estepe já se direcionava para a parte de literatura hispânica, que lhe chamou a atenção naquela imensa sala cultural.

SÓ PARA RAROS contêm de tudo que os amantes da cultura podem imaginar. Arturo Bandini e Loba da Estepe, dois privilegiados por desfrutarem daquele lugar. Na parte de literatura de SÓ PARA RAROS, estava a Loba da Estepe. Deslumbrada e com os olhos fixos nos livros. Eram muitos. Ela escolhera Hermann Hesse, Fante, Borges, Benedetti, Cortázar, Hemingway, Drummond., Nietzsche...

Arturo Bandini se aproxima dos livros. Distraído, não nota a presença da Loba da Estepe. Percorre a estante e escolhe Hesse, Fante, Bukowski, Hemingway, Benedetti, Cortázar, Rubem Fonseca...

Ao pegar o último livro da estante, e ao virar-se para o lado, Bandini esbarra na Loba. Observa sua beleza. Começa pelos pequenos olhos negros e a linda boca abrindo-se num sorriso. Mas além daqueles olhos e daquela boca, há algo que o chamou mais a atenção. A Loba da Estepe observa Bandini e vê nos seus olhos castanhos escuros e na sua barba rala, um charme que a agrada. Mas não é só isso que a provocou.

Arturo Bandini e Loba da Estepe olham-se profundamente e vem aquela voz de radialista que os fez rir:

“HOJE, 10 DE JANEIRO DE TAL ANO, OS RAROS SE ENCONTRAM...”

Só agora os dois entendem tudo. SÓ PARA RAROS. E era mesmo 10 de janeiro. O ano não importa.