sábado, 20 de agosto de 2011

O retorno


Diante do portão gradeado, aperta com força o molho de chaves que se avoluma na mão direita. Antes de separar a chave do portão, olha para o alto. As nuvens e o céu são sombrios e escuros. O vento bate nas árvores, derruba as poucas folhas que ainda restam.

Anoitece. A paisagem é triste.

Dois giros com a chave na fechadura, a mão toca o trinco enferrujado e o portão range. Os passos acompanham as batidas do coração e o frio na barriga. A porta de madeira, depois de anos fechada, fica escancarada.

Estático, no corredor da casa, tenta ouvir diálogos de outrora. Nada. A ausência de ruídos é total e profunda. Bate palmas, força uma tosse, um pigarro. Precisa quebrar aquele silêncio aniquilador. Olha em volta e vê na meia-luz – que a porta aberta proporciona, através dos postes de luz das ruas – os móveis intactos, exatamente como nos tempos em que ali vivia.
A porta é fechada e a escuridão toma conta da sala de estar. Tira do bolso um isqueiro e o aciona. Caminha com a pequena chama em direção ao castiçal postado à mesa. Acende as velas e um foco de luz se abre, iluminando o ponto que denuncia objetos de longa data, espalhados no tampo da mesa.
Fecha os olhos e inspira profundamente o ar da sala. O ar é fechado, velho e escuro. O ar mofado atiça a memória. As imagens e os pensamentos povoam a mente por um longo tempo.
Abre os olhos. Mira a luz de velhas derradeiras. As mãos deslizam na mesa e sentem folhas de papel amassados, lápis, cadernos e livros que trazem da infância as lições de casa.
Nas reminiscências um pai supervisiona as atividades escolares e um colo de mãe afaga um menino na beira da cama, antes de dormir.
O corpo ainda na cadeira. Corpo inerte e coração com batidas fortes e descompassadas. Agora os dedos que descansavam no tampo da mesa deslizam para as pernas e seguem para o bolso.
No bolso os dedos recolhem uma fotografia e retornam o caminho anterior, apertando o papel, sentindo a textura.
Os olhos compenetrados na imagem. Na foto um homem e uma mulher com uma criança no colo, parecem estar muito felizes. Os olhos, antes vidrados, começam a ficar marejados de lágrimas e o foco da luz de velas vai morrendo até a completa escuridão.
A fotografia é guardada no bolso. As mãos vão tateando as paredes acompanhando o caminhar compassado até a porta.
As mesmas mãos que tocaram os trincos e as fechaduras enferrujadas e os mesmos pés que o conduziram àquele local, dobram a esquina e desaparecem.

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