quarta-feira, 27 de maio de 2009

SUBTERRÂNEO

É noite e a escuridão é perfeita para nossos inimigos nos observarem. Nossos passos são hesitantes: estamos tremendo, mas não podemos recuar porque é perigoso recuar.
A noite é uma criança inebriante.
Estamos no princípio da noite e ainda ela será rebelde. Selvagem. Mais selvagem são nossos inimigos que não vão nos poupar. Nossos inimigos são brutais, ferozes.

Estamos com medo. É arriscado...
Alguns passos incertos. Nos movemos com dificuldade. Ouvimos tiros, gargalhadas medonhas, gritos de desespero, choros e pedidos de piedade.

ESTRONDO...
Nossa audição está sensível. Experimenta os ruídos da noite que nos inquieta, nos perturba. Sentimos, tontura, vertigem.

Não sabemos onde estamos e caminhamos com dificuldade. Olhamos para os lados, nos arriscamos a olhar para trás. Avistamos um vulto que nos segue.
Frio na barriga. Tentamos aumentar o passo, mas não conseguimos. Nossas pernas pesam toneladas. Olhamos para os lados novamente e avistamos mais um vulto, o que nos provoca imenso pavor.

Não sabemos se estamos sendo arrastados...

Sentimos que nos enlaçam a cintura, enquanto uma voz nos diz:

“Estás péssimo, heim amigo”.
Amigo?

Nos chamam de amigo quando querem nos causar sofrimento, nos sacrificar, assassinar.

Nos desvencilhamos do braço e, sem voltarmos a cabeça nem darmos conta do que fazemos, avançamos o passo.

Depois de grande distância percorrida, olhamos para trás, para os lados e não vemos ninguém. Sentimos um alívio imediato. Parece que estamos a salvo, afirmamos num tom de voz sussurrante.

Durante algum tempo não prestamos atenção ao estalar dos nossos próprios passos e, quando temos consciência desse ruído, imaginamos que são passadas de um estranho. E imaginamos que ele deve estar com uma arma apontada para nós.
Paramos subitamente e voltamos a cabeça para trás, a fim de verificar se estamos sendo seguidos. Não vemos ninguém, mas isso não nos tranquiliza.

SILÊNCIO...
O silêncio é como um grito desesperado. A ausência de ruídos também não é agradável.

Caminhamos pensando no quê ou quem vai nos molestar, oprimir, maltratar. Mas nesse momento vemos no fim da linha, ou fim do túnel (parece que estamos saindo de um túnel escuro) um corpo luminoso que age sobre nossos olhos.

A luz no fim do túnel. A esperança.

Temos a leve impressão de que alcançaremos esse bem que desejamos: a salvação. Precisamos ser salvos. Nos livrar do perigo, destruição, ruína. Então, começamos a correr.

Aumentamos a velocidade de nossas passadas. Corremos feito loucos, arrebatados pelo desejo de nos aproximar daquela luz.

A luz no fim do túnel...
Nos damos conta de que não saímos do lugar. Nem mesmo movemos um só músculo do corpo e, mesmo assim, estamos molhados de suor. Não entendemos o que está acontecendo.

É um pesadelo, pensamos.
Devemos estar dormindo. Isso não é real. São imagens e devaneios do nosso sonho. Coisas ou pessoas que forjamos enquanto dormimos.

Acordamos assustados...

Pesadelos outra vez?
Inspiramos profundamente, soltando o ar aos poucos e olhando ao nosso redor com muita atenção. Aonde está nossa cama? Nosso guarda-roupa, criado-mudo, nossos chinelos que ficam em cima do tapete, ao lado da cama?
...
Percebemos que não estamos em nosso quarto. Não estamos em nossa casa. E não é um sonho.
O desespero aumenta cada vez mais, arrancando de dentro de nós a esperança. Aquela esperança do fim do túnel. O sol, a luz do dia, a luminária do espírito que projeta a compreensão, o entendimento das coisas.
Sabemos que é noite. Sabemos que temos inimigos. E também sabemos que nossos inimigos estão à espreita e nos observam às ocultas. O que não sabemos é o porquê dessa situação em que nos encontramos. Não entendemos estes fenômenos.
Caminhamos com cautela. Olhamos para os lados e de vez em quando para trás, disfarçando nosso pavor. Nos certificamos de que não estamos sendo seguidos, o que parece ser uma falsa ideia, e continuamos rumo a provável saída do subterrâneo em que nos encontramos.

É imperioso sairmos deste local o quanto antes. Para isso a coragem se faz necessária e urgente.
Inspiramos profundamente, enchendo o peito de ar com determinação, firmeza, decisão.
De súbito avistamos uma figura sombria. E o choque da surpresa corta nossa respiração e nos deixa paralisados por alguns segundos.

Como um relâmpago recobramos nossas forças e, destemidos, avançamos e destruímos todos os obstáculos que se opõem a nós e se colocam em nosso caminho. E Como um luzeiro resplandecente, a esperança surge em nossa frente.

Como a bravura do soldado na guerra, atravessamos o feixe de luz no fim do túnel.
Estamos a salvo, repetimos inúmeras vezes:

"Graças a Deus, graças a Deus, graças a Deus... mas a luminosidade excessiva nos cega... Ohhh meu Deus, não conseguimos enxergar..."

3 comentários:

  1. Oi Ari! Parabéns, sou desde já uma grande admiradora de seus escritos.
    Sabe, esse texto "Subterrâneo" me fez relembrar do livro de José Saramago, "Ensaio sobre a cegueira".
    Talvez porque o livro e o seu conto questionam sobre essa cegueira a que vocês dois se referem. Essa cegueira que todos temos um pouco.E em algum momento da vida ou em alguma situação, nós próprios nos deixamos cegar.

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  2. Belo conto! prende a atenção, gera expectativa, leva até um momento que parece ser um "bom final" .... mas não é! o sufoco continua... e, com ele, a expectativa de que tudo acabe bem. Mas, quando acaba, é difícil suportar!

    Abraço da
    Simone...

    Simone Beatriz da Silva

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  3. Subterrâneo é muito bom!!!!
    Ótimo tbm para o teatro e para um curta!!!!
    Parabéns!!!!!!!!

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