domingo, 20 de novembro de 2011

Um pai para chamar de pai


Olhos escuros, franzino, irrequieto. Calça curta na altura do joelho, camisa branca manchada de sangue e chinelos Havaianas. À tiracolo uma bolsa de algodão, velha e suja, com o material escolar dentro.
O bilhete da professora não o preocupa mais, como das outras vezes. Está cansado de tudo. Do trabalho pesado que é obrigado a fazer depois da aula. As repreensões e os xingamentos dos adultos. As caçoadas dos colegas de aula.
Cansado de ter responsabilidades.
Cansado de ter apenas nove anos.
Cansado de não poder brincar.
Decidido. Não quer cumprir as regras impostas. Nunca mais. Pelo menos enquanto for criança.
Vaga pelas ruas, sem rumo. Olhos fixos nas vitrines de brinquedos. Deseja tê-los todos para si. No caminho de volta para casa, avista uma loja especializada em brinquedos de madeira. Nome muito engraçado. Brinquedos João Alma de Criança.
Aproxima-se da loja. Estático na porta por um longo tempo. Um homem com o rosto grande, caricato e jovial, vem atendê-lo.
Como que paralisado e sem falar nada, o menino observa o homem com admiração. Aquela figura diante dos seus olhos parece ter vindo de algum desenho animado.
O homem se apresenta como João Alma de Criança, e conduz o menino para dentro do estabelecimento.
Casinhas, jogos, tabuleiros, quebra-cabeças, carrinhos de corrida, aviões, caminhões. O caminhão! Tudo bem colorido. João Alma de Criança deixa o menino naquela imensidão de brinquedos e vai atender o cliente que o espera.
O caminhão azul. Da cor do céu. E do mar. Azul. O menino se diverte com o brinquedo, enquanto o tempo passa. Então ouve uma voz:
Ei menino, você me chamou?”
Quê?”, - pergunta o menino olhando em volta.
Estou aqui.”, - diz a voz no meio dos bonecos de madeira.
O menino vê o gnomo e sorri.
O que quer? Faça um pedido?”
O menino continua sorrindo.
Você não acredita? Vamos, faça um pedido, garoto!”
Ele tem nove anos. E acredita em gnomos, fadas e feiticeiros. Então, pede um pai para brincar com ele de carrinho. Um pai para jogar bola com ele, no campinho de futebol. Um pai que o faça cócegas, até não aguentar mais. Um pai que o chame de meu filho. Um pai para chamar de pai.

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