terça-feira, 20 de setembro de 2011

Quanto vale a vida?

Uma viatura da Proteger, a carreta de Zé Carlos, a carreta de João Antunes e outra viatura da Proteger forma o comboio que se precipita na Rodovia Anhanguera. A carga de polietileno que os caminhoneiros transportam é considerada valiosa e, ali naquele trecho, começa a ficar sinistra a viagem.


Mesmo com escolta armada, acompanhando aquela perigosa viagem, Zé Carlos está com um pressentimento ruim. O interminável frio na barriga, a boca seca, o formigamento nas pernas e o coração querendo sair pela boca. Medo. Medo de não sei o quê. O medo se apoderando de Zé Carlos.

A viatura que puxa o comboio faz sinal que vai encostar junto ao meio-fio e pede que os outros veículos que estão atrás, façam o mesmo. Zé Carlos fala no rádio transmissor com João Antunes, dizendo-lhe que tem alguma coisa de errado com a escolta. O colega e amigo responde que fique tranquilo e encoste também. Todos encostam junto ao meio-fio e ligam o sinal de alerta em seus automóveis e caminhões.

Os seguranças da escolta descem de suas viaturas, imediatamente retiram os adesivos de identificação e rapidamente instruem os caminhoneiros de que a escolta agora ficará atrás, a uma certa distância, disfarçada entre os veículos que trafegam a BR 050.

Os caminhoneiros e a escolta armada e disfarçada seguem viagem. Zé Carlos não se conforma com os rumos do comboio. O medo continua, mas a sensação é outra. Ele pensa na esposa, nos filhos, no cachorro, no gato, nas despesas da casa, na faculdade da filha, no cabeleireiro que sua mulher frequenta uma vez por semana - no salão de beleza mais caro do shopping center, nos cursinhos de preparação para o exame da OAB, que o filho faz há seis anos, e nunca passa. Mãos e rosto suando frio. Zé Carlos lembra de quando adquiriu sua carreta Scania, foram tempos de economia, anos de trabalho árduo e horas- extras. Sempre quis dar o melhor para a família. Agora sente um desprezo pelas futilidades que sustenta com o suor do seu trabalho e o perigo das estradas, um desprezo por si mesmo. Aperta com força a direção do caminhão com as mãos molhadas. Pisa com força no acelerador. Pensa em dar um jeito na própria vida. Na vida da cada ingrato da família. Pisa mais no acelerador. Parece estar sonhando. E no sonho vê um automóvel preto com vidros escuros que se aproxima da janela do caminhão. O vidro da janela desce e os homens do automóvel preto apontam-lhe fuzis. E ele pisa fundo, muito fundo no acelerador. Sente que vai ser o fim. Mas no mesmo instante a escolta armada (disfarçada) surge atirando ferozmente com suas escopetas e fuzis contra o automóvel preto, que capota na pista.

Zé Carlos reduz a velocidade até parar. Treme ao assistir o tiroteio. E vê pelo espelho retrovisor o automóvel preto metralhado e com as rodas para cima. A escolta aproxima-se para averiguar se há sobreviventes. Os seguranças descem das viaturas. Os bandidos, gravemente feridos, gemem de dor. É o fim, o fim dos bandidos . Um dos seguranças tira do cinturão uma pistola e descarrega a munição nos homens, corre para a viatura e faz sinal para seguirem viagem.

Agora que o comboio se forma como um comboio de verdade, Zé Carlos pensa com menos medo e mais decisão... Meu Deus, quanto vale a vida? Isso ele não sabe, mas tem a certeza de que esta é sua última viagem.

Um comentário:

  1. Ritmo e criatividade. Qualidades presentes neste belo texto... Parabéns!

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