RAROS
para Cátia Cilene,
a minha Loba
da Estepe
O homem se chamava Henri Chinaski. Não, não era bem isso. Era Arturo Bandini. Harry
Haller, o nome da mulher. Ela tinha um apelido: Loba da Estepe. Arturo Bandini
e Loba da Estepe não se conheciam e nem se imaginavam, viviam cada qual, no seu
distinto cotidiano.
Bandini sempre quis ser escritor, ralou muito para fazer uma faculdade.
Trabalhou como ascensorista, porteiro de hotel e garçom, até o momento de
formar-se em Letras e ser professor. Ser professor não estava nos seus
planos.Teve dificuldades para sobreviver na loucura da cidade grande. Faculdade
particular e dívidas com o governo e quartos de pensão. Quartos quase escuros,
mas que não o impediam de fazer suas leituras e anotações. Sempre acompanhado
de livros, os cds e cachaças.
A Loba da Estepe, uma mulher dada a aventuras radicais, sempre que podia voava
de paraglider no Morro Ferrabraz. Mas não é só de aventuras que vivia a Loba da
Estepe. A Loba, uma mulher cheia de vitalidade, batahou muito para se formar em
Jornalismo. Antes, durante e depois de formada, já trabalhava na sua área com
muita determinação. E além disso, a Loba da Estepe tinha senso de autoridade e
organização: Coordenava um grupo de comunicação.
Arturo Bandini tinha livros, cds, bebidas baratas e vontade de conhecer alguém
muito especial. Loba da Estepe não era diferente. Também curtia livros, cinema,
festas. E desejava conhecer um homem singular.
A Loba da Estepe sente que não pode mais viver as suas mil almas. Resolve se
desintegrar de tantas personalidades. Ela gosta mas parece ser perigoso. Bandini
não consegue escrever mais nada, seu quarto é um amontoado de papéis amassados
e seu sonho já não o alimenta mais.
Aborrecidos em suas tocas ou casas monótonas, decidem sair.
É noite. Noite de 10 de Janeiro de Tal Ano. Bandini
e Loba da Estepe não sabem, mas vão se encontrar no bar SÓ PARA LOUCOS, mais precisamente, no reservado SÓ PARA RAROS.
No bar SÓ PARA LOUCOS, um jazz de
fundo. Bandini toma tão calmamente cada partícula de sua cerveja, como se ali
existisse um mundo diferente. E faz alguns rabiscos em um bloco de anotações.
Loba da Estepe está na outra mesa, bebendo vinho, tão solitária, estranha,
compenetrada em si mesma. Nenhum dos dois sabe da existência do outro. A Loba
da Estepe pega Bukowski da bolsa para
ler. E bebe mais vinho. Bandini é tão romântico a ponto de pensar que poderia
agora estar com uma bela mulher e por ela se apaixonar. Naquele lugar, SÓ PARA LOUCOS, Bandini pede ao garçom
uma dose dupla de uísque.
Arturo Bandini se cansa daquele bar, deseja sair dali o mais rápido possível.
Acontece o mesmo com a Loba da Estepe. Pela primeira vez ela interrompe a
leitura. Depois de pagar a conta, somando os trocados e as moedas, Bandini se
dirige à saída do bar SÓ PARA LOUCOS.
A Loba da Estepe já está quase na porta. Há mais pessoas querendo sair. Um Arlequim
e dois seguranças (espécie de armários dos grandes) com seus ternos escuros
estão na porta do bar.
Bandini e Loba da Estepe são barrados na saída do SÓ PARA LOUCOS pelo Arlequim e seus seguranças. Arlequim tão ágil,
trapalhão, brinca e logo depois explica que os dois devem ir ao reservado SÓ PARA RAROS.
Os dois não têm escolha. Ninguém conseguirá passar pelos seguranças (armários
dos grandes). Arlequim os conduz, então, ao reservado.
Penumbra... Aquele reservado parecia uma boate. Uma boate dentro de um sonho.
Com mesas e cadeiras, luzes coloridas e fumaça de gelo seco. Vários luminosos
nas paredes. Uma bela voz de radialista pronuncia as seguintes palavras:
“HOJE, 10 DE JANEIRO DE TAL ANO,
OS RAROS SE ENCONTRAM.”
Arturo Bandini e Loba da Estepe riram. Só pode ser
piada, pensou a Loba.
As luzes foram se acendendo aos poucos até ficar completamente claro. Já não
havia mais aquelas mesas, cadeiras, luzes coloridas, luminosos. Era uma sala
gigantesca, dividida em partes que chama a atenção de quem gosta de cultura,
arte, literatura, gastronomia. Só podia ser um sonho, pensou Bandini.
Agora o reservado SÓ PARA RAROS era
uma imensa sala cultural. Levaria horas para percorrer a sala toda. Bandini
estava na parte dos pintores famosos, diante das obras de Salvador Dali. Um banner
com a foto do artista espanhol com seus peculiares e insolentes bigodes abria a
mostra. A Loba da Estepe já se direcionava para a parte de literatura
hispânica, que lhe chamou a atenção naquela imensa sala cultural.
SÓ PARA RAROS contêm de tudo que os
amantes da cultura podem imaginar. Arturo Bandini e Loba da Estepe, dois
privilegiados por desfrutarem daquele lugar. Na parte de literatura de SÓ PARA
RAROS, estava a Loba da Estepe. Deslumbrada e com os olhos fixos nos livros.
Eram muitos. Ela escolhera Hermann Hesse, Fante, Borges, Benedetti, Cortázar, Hemingway,
Drummond., Nietzsche...
Arturo Bandini se aproxima dos livros. Distraído, não nota a presença da Loba
da Estepe. Percorre a estante e escolhe Hesse, Fante, Bukowski, Hemingway, Benedetti,
Cortázar, Rubem Fonseca...
Ao pegar o último livro da estante, e ao virar-se para o lado, Bandini esbarra
na Loba. Observa sua beleza. Começa pelos pequenos olhos negros e a linda boca
abrindo-se num sorriso. Mas além daqueles olhos e daquela boca, há algo que o
chamou mais a atenção. A Loba da Estepe observa Bandini e vê nos seus olhos
castanhos escuros e na sua barba rala, um charme que a agrada. Mas não é só
isso que a provocou.
Arturo Bandini e Loba da Estepe olham-se profundamente e vem aquela voz de radialista
que os fez rir:
“HOJE, 10 DE JANEIRO DE TAL ANO,
OS RAROS SE ENCONTRAM...”
Só agora os dois entendem tudo. SÓ PARA RAROS. E
era mesmo 10 de janeiro. O ano não importa.